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Cinderelas em 2025

  • Foto do escritor: Carolina de Souza Sampaio
    Carolina de Souza Sampaio
  • 16 de mai.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 18 de mai.

Ainda hoje mulheres se dão conta de uma fantasia comum: de que a chegada de um homem em sua vida apareça como uma solução que resolveria conflitos e traria uma "plena felicidade". Por mais ingênuo que pareça tal pensamento, são séculos de cultura ensinando a ideia de encontrar um parceiro como ideal e "final feliz".


O livro "Síndrome de Cinderela", datado da década de 80, fala sobre crenças inconscientes e comportamentos femininos de menos valia que surgem mesmo para as mulheres mais progressistas, com acesso a maior autonomia financeira e educação formal. É interessante como esse tema, 40 anos depois, continua relevante, a ponto do livro ter ganhado uma nova edição em 2022.


Mulheres de dão conta de como ainda sem perceber, podem priorizar o crescimento profissional de um homem em detrimento do seu, ou se sentem totalmente responsáveis ao cuidado de uma casa (que é compartilhada com um companheiro).


Apesar de pesquisas que mostram altos índices de sobrecarga, violências e outras perdas que costumam acometer mulheres ao contrair uma relação heterossexual tradicional, parece persistir nesse "inconsciente coletivo" a imagem do príncipe salvador, do "ter um homem" como aspecto protetor e critério de uma vida bem sucedida.


Quando não há um parceiro, por vezes surge a ilusão de que um par romântico seria "o que falta", mantendo uma sensação de incompletude ou descrédito pela própria vida. Por vezes as submetendo a relações mesmo indesejadas, pela crença nessa necessidade.


Por outro lado, alguns fenômenos recentes indicam ambivalências nas posições de gênero. Um sinalizador de mudanças é como algumas tendências tem se derivado dos maus encontros afetivos, como o movimento "boy sober", que significa uma "sobriedade de homens", a decisão de mulheres por se manter afastadas de relações heteroafetivas e se dedicar somente ao autodesenvolvimento.


A redução do número de casamentos e relacionamentos duradouros talvez também dê sinais de que a dissolução de vínculos violentos atualmente é facilitada, com menor compulsoriedade a manter relações.


Ao mesmo tempo, também tem crescido uma nostalgia de retorno a um passado tradicional com as "tradwifes", que buscam enfatizar os ouros do papel de esposa devotada ao lar. Apesar do slogan, geralmente essas mulheres vivem em uma realidade de classe social diferente da maior parte da população brasileira, ou como influenciadoras digitais tem renda provinda da publicidade, o que lhes oferta autonomia financeira.


É perceptível que ambos os movimentos surgem dos conflitos contemporâneos que envolvem as expectativas e lugares de gênero nas relações, seja afirmando a desistência temporária de relações heteroafetivas ou afirmando um retorno a um passado supostamente pacífico, essas tendências sinalizam como as relações entre gêneros estão em crise e transformação.


O risco de movimentos conservadores é crer que a "culpa" da sobrecarga das mulheres é ter adentrado o mundo profissional, e não que as responsabilidades outras (como as de cuidado) terem seguido quase que exclusivamente sobre elas. Essa sobrecarga, deriva tanto da construção de masculinidades, tanto de um sistema familialista, com baixa rede de apoio comunitária.


Tirar a busca por um par da centralidade da vida é um exercício importante e libertador. Ao mesmo tempo, é perigosa a ideia de supervalorização que esteja desconectada de laços comunitários e afetivos, podendo ser só mais uma face do individualismo.


De toda forma, o exercício em compreender os entraves contemporâneos nas relações nos deixa algumas pistas de compreensão dos caminhos e questões singulares que surgem na clínica, e na vida de cada um.



Referências.

Dowling, Colette. Síndrome de Cinderela. 2022.

Núñez, Geni. Descolonizando afetos. Experimentações sobre outras formas de amar. 5° edição- São Paulo: Planeta do Brasil, 2023.




 
 

Psicóloga Carolina Sampaio | CRP 03/18064

(75) 991318801 | carolinasampaiopsi@gmail.com

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